Lara Santos

Brasil sai do mapa da fome.
Quando li a notícia que o país havia saído da lista vergonhosa da FAO, me veio à mente os dados sobre excesso de peso (entre crianças, adolescentes e adultos) que já atingem mais da metade da população.

Então, lembrei-me de que o Brasil é de tamanho continental, ou seja, tão grande, tão desigual.
O anúncio de que o Brasil não está mais no Mapa da Fome foi feito pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) na segunda-feira (28.07) na Etiópia. O resultado reflete a média trienal 2022/2023/2024, que colocou o país abaixo do patamar de 2,5% da população em risco de subnutrição ou de falta de acesso à alimentação suficiente. A conquista foi alcançada em apenas dois anos, tendo em vista que 2022 foi um período considerado crítico para a fome no Brasil. Mas é preciso entender que se as políticas públicas aplicadas não forem fortalecidas, podemos aparecer novamente nesse mapa.
Dentre essas políticas está o fortalecimento da agricultura familiar, programas de transferência de renda e taxa de desemprego reduzida, além da inflação sob controle.
Portanto, temos: de um lado, uma parcela de menos de 2,5% de brasileiros que não sabe o que vai consumir quando amanhece um novo dia. De outro, quase 50% da população com excesso de peso que tem acesso diário à pântanos alimentares.
Vamos entender que: desertos alimentares são áreas que possuem baixa disponibilidade e/ou apresentam dificuldade de acesso a alimentos saudáveis, seja por dificuldade de deslocamento ou falta de renda. Já pântano alimentar é a região em que a exposição a alimentos não saudáveis é desproporcional ao acesso a alimentos saudáveis (ou seja, aquele mercadinho lá no interior do país que vende ultraprocessados, mas não tem frutas frescas disponíveis para o cliente).
Então, se você acredita que em áreas rurais o acesso a alimentos saudáveis é facilitado pois são áreas de produção de alimentos, saiba que as pesquisas já mostram que a população da área rural tem menos acesso a alimentos nutritivos do que a população urbana. Isso contribui para o ganho de peso, como mostrado num estudo feito na região noroeste de Goiás, em que foi observada uma menor proporção de estabelecimentos que comercializavam alimentos in natura (7%) e maiores proporções de estabelecimentos que comercializavam alimentos mistos (42%) e ultraprocessados (51%) e cujos dados sobre o peso apontaram que 3% da população da região estava com algum grau de magreza, 32% estavam com o estado nutricional adequado, 64,8% apresentaram excesso de peso, dos quais 31,4% com obesidade. Dados semelhantes foram encontrados em estudos em Viçosa (MG) e no Rio de Janeiro (RJ).
Uma vez que o consumo dos alimentos está diretamente relacionado ao acesso, oferta e condições de compra, logo, as escolhas alimentares sofrem influência do ambiente alimentar, pois as pessoas geralmente consomem os alimentos que são oferecidos na região onde moram e nas suas proximidades, sejam esses alimentos saudáveis ou não.
Portanto, não aparecer numa lista que mede a fome, não quer dizer que ela foi erradicada nem que outros problemas foram combatidos, como é o caso da obesidade. Também, sair da lista nos diz que alguns passos dados foram importantes, só precisamos continuar caminhando com a direção correta, ou seja, que os alimentos de qualidade nutricional estejam disponíveis para combatermos fome e obesidade ao mesmo tempo.
REFERÊNCIAS
FELIX, Carolina Leônidas Gusmão et al. Caracterização do ambiente alimentar da região noroeste de Goiânia. 2021.
LUCIANI DOS SANTOS, Mateus; BREDA FONTÃO, Pedro Augusto. TERRITÓRIO ALIMENTAR EM DISPUTA: A CONSTITUIÇÃO DE DESERTOS E PÂNTANOS ALIMENTARES A PARTIR DA LÓGICA DE DISTRIBUIÇÃO DE ULTRAPROCESSADOS. Hygeia: Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, v. 17, 2021.
SANCHES, Lucas Daniel et al. Desenvolvimento e validação de instrumento para avaliar o impacto de um programa de intervenção em comércios de alimentos em área de deserto alimentar. Geografares, n. 25, 2018.
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/entenda-os-criterios-da-onu-para-retirar-um-pais-do-mapa-da-fome/
https://www.cfn.org.br/index.php/noticias/brasil-sai-do-mapa-da-fome-da-onu-conquista-historica-reflete-politicas-publicas-eficazes/
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