Dica de Leitura: Engravidei
Um Romance que Explora a Maternidade com Honestidade e Sensibilidade

DICA DE LEITURA: ENGRAVIDEI
Entrevista com a autora Andrea Nunes
@andreameconta
Por EVELYN RUANI
Coordenadora Técnica Educacional das Bibliotecas Escolares do SESI-SP, criadora de conteúdos literários e leitora compulsiva! Apaixonada por livros e palavras.
SERVIÇO
Blog: http://blogentreaspas.com
Instagram: @blog_entreaspas
Email: entreaspasb@gmail.com
Andrea Nunes é caipira de Jaú, interior de São Paulo. Foi para a capital do Estado para estudar e por lá ficou. É publicitária, marqueteira, escritora e sapateadora. Casada com o Paulo e mãe coruja da Mariana e do Rafael. Trabalha com eventos e comunicação no agronegócio, embora costume deixar planta morrer. Aos 40 anos começou a buscar o colágeno perdido e a alma de artista adormecida. O colágeno não apareceu, mas a arte floreou como escrita no newsletter Andrea Me Conta. Publicou textos na obra Gradiente (2024), coletânea com outras 21 autoras. Engravidei é seu romance de estreia e é baseado em fatos reais.
Vem comigo conhecer um pouco mais sobre essa autora e sua obra:
Andrea, em Engravidei você propõe um reencontro com o passado a partir de textos de um antigo blog. O que te motivou a transformar essa experiência pessoal em um romance?
Já na época, as poucas pessoas que liam o blog diziam que ele deveria virar livro, mas eu não me enxergava ainda como uma escritora, embora a escrita tenha feito parte da minha vida de forma bem marcante. Quando fiz 40 anos lancei um newsletter semanal, a Andrea Me Conta (andreameconta.substack.com) e entrei para a Comunidade de Escrita Afetuosa, da escritora e jornalista Ana Holanda. Isso me deu a força necessária para admitir para mim mesma que sou sim escritora e o desejo de transformar o blog Engravidei (que já estava comemorando 10 anos) em livro veio quase que instintivamente, para ser o ponto de partida para essa jornada literária.
A maternidade é retratada de forma honesta, sensível e bem-humorada. Como você equilibrou esses elementos na narrativa sem perder a força da reflexão?
O livro tem muito a minha voz. Sou aquela que reclama sem filtro e ri de si mesma. Na época da gravidez, com os hormônios em ebulição, eu desabafava com o texto. E, da mesma forma que saía o desabafo, saía a piada da situação. Quando eu colocava tudo no texto, era como se eu conseguisse olhar o contexto de fora e esse olhar era o que me permita fazer a reflexão. A escrita tem esse fator terapêutico de nos colocar como espectador para poder analisar as situações de outro ângulo. Além disso, ao revisitar os textos 10 anos depois, eu pude analisar aquelas situações com um olhar completamente diferente da primeira vez. Agora, sob o ponto de vista de uma mulher completamente diferente, já com uma década de experiência na maternidade.
No release, você comenta que o livro fala sobre a capacidade de reinvenção da mulher. Que descobertas sobre si mesma esse processo de escrita te proporcionou?
Que eu sou muito dramática (risos). Brincadeiras à parte, relendo os textos e criando as notas da autora 10 anos depois, eu pude ver sinais de muitas coisas que aconteciam comigo e que eu, na época, não fui capaz de enxergar, como a minha depressão. Tenho um tipo de depressão que é muito difícil de ser diagnosticada, que é ligada à ansiedade e é interessante como o meu texto grita isso. Os sinais estavam todos lá, sabe? Hoje me percebo mais atenta às pistas que o meu corpo me dá de que alguma coisa está errada. Aprendi isso. Tenho aprendido, na verdade, porque escutar o corpo é uma coisa difícil se não estamos com nossa atenção muito focada no momento presente. É legal fazer um balanço de como estamos nem que seja uma vez por semana. Respirar, sentir… somos muito atropeladas pela rotina caótica dos nossos dias e é fácil se deixar adoecer sem perceber. Acho que essa foi uma grande transformação que percebi com o texto do Engravidei. Aliás, as "notas da autora 10 anos depois" surgiram justamente porque eu quis pontuar algumas dessas mudanças e descobertas. Descobri-me mais flexível, com mais calma e mais jogo de cintura, por exemplo, que são algumas das virtudes que vêm com a maternidade.
A obra contrapõe a mulher grávida do passado com a mãe de hoje. Como foi reviver essa “dupla identidade” e transformá-la em construção literária?
Foi uma dureza. Hahaha. Eu queria interferir no texto do passado, mexer nele, reescrevê-lo não apenas porque hoje a minha escrita é diferente, mas também porque eu não era mais aquela pessoa. Tive que me conter e - mais que isso - respeitar quem eu fui. Mexer no texto não alteraria o passado e, pior, não seria algo tão fiel quanto ao que foi escrito quando estava grávida. Aliás, mesmo se estivesse grávida no processo de construção do livro, uma gravidez não é igual à outra e eu não seria fiel ao texto. Não seria a mesma pessoa daquela primeira vez. Então respirei fundo, respeitei a Andrea do passado e tratei-a como uma personagem, com a distância necessária para não intervir no seu caminho.
Sabemos que Engravidei tem como base fatos reais. O quanto de ficção existe na história e onde você sentiu necessidade de criar para além da memória?
Toda memória tem um pouco de ficção. A minha memória de um momento é completamente diferente da memória de alguém que tenha estado comigo naquele mesmo momento. Isso, por si só, já torna qualquer texto com bases reais em uma ficção. Mas sim, tiveram alguns elementos do texto, especialmente dos textos do passado, que inseri elementos ficcionais para dar mais sentido ou mais graça. Mas não vou entregar o ouro aqui não. Hahaha.
A maternidade ainda é cercada de romantizações e idealizações. Como você enxerga o papel da literatura na desconstrução desses estigmas?
O papel da literatura é essencial para que essa romantização seja desconstruída. Especialmente se pensarmos que a literatura, antigamente, era feita majoritariamente por homens, sem lugar de fala. Quando escrevi os textos antigos do Engravidei, estávamos em 2014 e mesmo assim, havia pouco conteúdo sobre a maternidade real, seja em livros, blogs ou qualquer outra fonte. De lá para cá isso já mudou muito. Existe a hashtag #maternidadereal nas redes sociais, que ajudam os usuários a encontrarem desse dicas até memes. Na literatura também podemos ver mais realidade em obras como o "Mãe Fora da Caixa", da Thaís Vilarinho, e o “60 dias de neblina”, da Rafaela Carvalho. Ou em narrativas mais duras como em “As alegrias da maternidade”, de Buchi Emecheta, em que uma mãe nigeriana vive a experiência da maternidade com grande sacrifício e sofrimento. Essas diversas narrativas são importantes para nós, mulheres, não nos sentirmos sozinhas ao parir uma criança. A solidão é um sentimento comum às mães, especialmente de filhos pequenos e saber que está tudo bem em não se sentir completa e plena e que sentir-se cansada, com raiva, questionar-se sobre o que foi feito de sua vida é comum a tantas outras mães no mundo inteiro. Isso nos traz uma sensação de acolhimento e segurança muito grande.
Você é publicitária, trabalha com agronegócio, tem newsletter, escreve, sapateia... Em que momento a escrita literária passou a ocupar espaço de protagonismo na sua vida?
Sempre fui ligada à arte através da dança. Fui bailarina e hoje danço sapateado. Sempre escrevi, mas nunca havia publicado. Com a chegada dos 40 anos, senti uma forte necessidade de expandir a minha arte e de colocá-la no mundo. Deixá-la criar vida própria, assim como eu sonhava fazer quando era pequena e queria ser roteirista da Maurício de Souza Produções. O mais legal disso é que, ao me colocar em movimento, escrita me deu inúmeros presentes. Participei de uma antologia, fiz boas amizades, novas descobertas literárias e muita troca com gente muito bacana. Pessoas que eu não conheceria se estivesse ainda trancada na minha caixinha da escrita para mim mesma.
O livro conta com paratextos de Ana Holanda e Vanessa Passos. Como foi contar com essas vozes femininas que também são referência no cenário literário atual?
Sempre que posso digo a elas a quão honrada sou em poder dividir este momento com as duas. A Ana foi uma pessoa que me acolheu de uma maneira tão bonita… Ela fez a minha escrita florescer e me deu a coragem de publicar. A Vanessa veio em um segundo momento, mas não menos especial. Ela me faz acreditar na força da voz feminina e na força que as histórias têm. Ela me orienta no tratamento da escrita como profissão, no posicionamento do meu livro e me abre portas generosas.
Você se apresenta como “caipira de Jaú” e brinca com a busca pelo colágeno perdido. Esse tom leve, quase confessional, também aparece no livro? Qual é a importância dele na sua escrita?
Sim! Esse é o tom do livro. Essa sou eu. A Ana Holanda diz que mesmo se eu não assinasse um texto, ela saberia de imediato que ele é meu pelo tom da minha voz. Isso é muito legal, porque virou minha marca registrada, pelo menos, até aqui.
E agora que Engravidei está nascendo para o mundo, o que vem depois? Já há planos para uma nova obra ou o foco está em aproveitar esse momento?
Estou aproveitando o momento, mas tenho vontade de roteirizar o Engravidei para o teatro. É uma ideia que está me rondando, mas ainda não comecei a me mexer nessa direção. Em breve devo participar também de uma antologia sobre maternidade com outras mães escritoras. Estamos nos organizando para isso. Também já tenho duas novas obras em mente. Não sei se vão virar contos ou romances, ainda estou esboçando seus rascunhos, criando as linhas narrativas… Vamos ver onde a escrita vai me levar.
Livro: Engravidei
Número de páginas: 144 páginas
Preço: R$ 60,00
Onde encontrar: https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/engravidei/
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